sexta-feira, 27 de maio de 2016

A "LEI DO PAU"



Quando soube da notícia do estupro coletivo no Rio de Janeiro, lembrei-me imediatamente de um livro que li tempos atrás,  Corpo, envelhecimento e felicidade (Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2011), organizado pela antropóloga Mirian Goldenberg. Nele há um artigo de Jean-François Véran, "Respeito é bom e elas merecem": uma antropologia do vagão feminino no metrô do Rio de Janeiro", uma ótima análise sobre a mixidade de gêneros. Nesse artigo tem a transcrição da letra de uma música do Raimundos, Esporrei na Manivela: 

"A "lei do pau"
O coletivo é muito bom para sarrar 
Pois o povo aglomerado sempre tende a se esfregar
Com as nega veia é perna aqui perna acolá 
Se é nos calombos ou nas freadas
Se é nas curvas ou nas estradas
 São situações propícias para o ato de sarrar
No coletivo o que manda é a lei do pau
 Quem tem esfrega nos outros
 Quem não tem se dá mal"

Com essa transcrição, acredito, quis o autor do artigo reforçar o sentimento de humilhação quando prevalece a "lei do pau".

Revendo os meus grifos de leitura, deparei-me com a transcrição da entrevista de uma pedagoga de 66 anos, falando sobre o "vagão cor-de-rosa": 

"Por que eu tenho de ficar separada do homem para eu ser respeitada? Eu quero ser respeitada viajando todo mundo junto!"

Semana passada vi o filme  "A Filha da Índia", sobre a estudante de medicina que foi estuprada coletivamente num ônibus.  Passados alguns dias, acontece situação similar em meu país, de tanta barbárie e crueldade quanto aquela. A Índia tem muita pobreza, na Índia tem sistema de castas, na Índia tem uma mistura de deuses...E aqui, no Brasil? Como tentar entender uma situação dessa?

A desigualdade de gêneros é uma chaga na sociedade brasileirq, que traz mixidade social. É por isso que temos que falar, discutir, posicionar-se e exigir o fim da cultura que culpabiliza a vítima em casos de estupro.

Senti-me engasgada com o que aconteceu. Se tá no morro, se tá na praia, no asfalto ou no pó, em casa, na escola, na igreja,  se tu é branca ou negra, feia ou bonita, velha  ou jovem, magra ou gorda, amiga, não duvide, poderia ser você.

Não quero  mais ficar engasgada, com coisa alguma. Decidi por esse pranto do corpo de dor  feminino em arte. Pintei um pedaço de pano...

Acontece que vejo na roupa um caráter também político. O que eu quero expressar através da roupa e a maneira que o outro me vê através da roupa. Assim como os judeus, estigmatizados, fiz do meu pano uma braçadeira  e a coloquei num casaco preto, em sinal de protesto.   Esse é o mood de hoje. 





Meu colaborador  de hoje e detentor dos créditos das fotos (menos a última): SILVIO CRISÓSTOMO

7 comentários:

  1. Se a Arte não é séria, o que será? A guerra? A politica, ciência e economia? Não sei, mas com certeza séria é a dor de existir, que só a arte tem o poder de transformar.

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